segunda-feira, 23 de julho de 2007

tarlei melo - A lógica dos prédios

Qual é a lógica dos prédios?

Serpente que não volteia. Estica-se, como que para alcançar alguma invenção fugidia; outra idéia de humanos. Estica-se e faz sombra, e, lá pelo décimo primeiro andar, volta a sobrar – e pode até derrubar avião.

O homem gosta de se fazer de ocupado; dizer que a comida é pouca e que já não tem mais lugar para plantar; dizer que a água vai acabar; dizer que não tem mais espaço mais para morar. Assim viver é difícil, e vamos construir outro edifício. Botamos as mãos à obra, com alguma massa e muito cimento, e, em São Paulo, com muitos migrantes nordestinos, o homem se estica pro céu.

O prédio é o homem de cabeça erguida, em cima de muito pescoço. É um jeito de olhar para o céu e dizer que, com tanto pecado, ainda encara Deus de frente, e que pode, qualquer dia, sentar ao seu lado, se tiver cimento suficiente. Mas este “lado-a-lado” com Deus, custa: custa os homens amontoados; custa os homens uns sobres os outros; custa essa montanha de explorados, todos empilhados. Não é jeito de morar mais: um ao lado do outro. Inventamos as colunas, e agora ninguém mais segura o homem no chão.

Sinalizamos o topo, pois há homens alados. E há ainda homens mais que alados, que querem pisar em Marte, e querem morar por lá, a Terra já não basta como casa. Inventamos as asas, e não há mais lugar para se esconder nesse firmamento. Cada vez mais alto é o que pretendemos, cada vez mais entramos no Reinos dos Céus; se Deus estivesse lá, já O teríamos visto, pois o céu está muito freqüentado agora. Enfiamos a cabeça no sótão onde Ele morava, olhamos para um lado e para o outro e não vimos nada. Desde quando será que já não morava ali?

Ainda não encontrei a lógica dos prédios, porque talvez não haja. Pelo menos não para um caipira que mora em Franca, que vê um terreno vago ao lado do seu toda vez que sai de casa. Talvez ainda tenha muito espaço no mundo afinal. Mas desde o gótico, o teto das casas dos homens tem subido cada vez mais. E agora que o homem inventou a coluna, ele tem que usar. E nem vai adiantar reclamar, ninguém detém o progresso em sua marcha. E no final das contas, quando se vai visitar, é até coisa bonita de se ver: essa gente em conserva guardada em armários.
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- em resposta ao texto de Psicho Pato, em seu blog, http://bolotosco.blogspot.com/search/label/escambo

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Ilustrações - tarlei


Mulher usando bandeira como roupa

Com os olhos pintados de azul - tarlei

Quando minha irmã e eu éramos crianças, eu me lembro, ela brincava de bonecas. Ela tinha bonecas de muitos tipos, nenhuma muito cara, e suas amigas traziam outras para brincar. Eram várias bonecas de vários tipos diferentes. Todas de uma mesma etnia, ou de etnias muito parecidas, eu não me lembro de minha irmã ter tido uma boneca negra. Bonecas, quando eu era criança, gostavam de vir com os olhos pintados de azul. Eram assim as bonecas, se bem me lembro.

Estudei em uma escola mista, onde os alunos mais velhos dividiam o espaço durante os intervalos com os mais novos. Eu me lembro de um dia, quando eu estava no pré-primário, durante o recreio, eu morava perto de um bairro predominantemente negro, a Vila Santa Cruz, vi alguns garotos negros conversando, eram muitos. Mesmo com tantos negros no mundo, em minha sala de aula não tinha nenhum. Eu estranhava aquela cor de pele, aqueles modelos de rosto, aqueles tipos de sorrisos. Eram diferentes, não tinha dúvidas disso. Eu me lembro exatamente da sensação. Lembro também de ter pensado que não queria estudar no ano seguinte com algum daqueles meninos, intimamente eu pedia a Deus que me separasse eternamente dos negros.

No ano seguinte eu mudei de escola, fui para um bairro mais pobre, mais próximo da minha casa, era um bairro com bem menos negros. Lembro de ter apenas dois, em minha sala, pode ser que havia outros, mas eu me lembro de dois, somente: uma menina que chorava muito, por qualquer coisa; um menino, que, calhou sentar à minha frente. Acho que o destino e eu havíamos esquecido do pedido que eu fizera, logo aquele menino se tornou um grande amigo de escola, é verdade que eu não me lembro mais do seu nome, mas ele foi o meu primeiro amigo na escola. Com ele, lembro bem, aprendi que se jogássemos água aos olhos quando estivéssemos com sono, acabava-se com o sono. Nunca achei que isso funcionasse bem, mas como faço isso até hoje, sempre me lembro desse menino mal desenhado em minha memória e do qual eu não sei o nome.

Tive outros amigos depois dele, mas não me lembro de nenhum que, por tão pouca coisa, me fizesse adquirir um hábito tão arraigado, mesmo sem ter me convencido.

Enquanto éramos amigos, eu nunca me lembrei daqueles meninos negros conversando no pátio ou da sensação que aquilo me produzira. Somente depois de anos minhas lembranças perfilaram os dois acontecimentos, separados apenas por um curto espaço de tempo de menos de um ano. Quando somos adultos, um ano não é o suficiente para separar dois eventos, mas, quando se tem seis anos de idade, um ano pode produzir entre um evento e outro o mesmo efeito que o Oceano Atlântico causa entre a América e a África, a distância.

terça-feira, 29 de maio de 2007

tarlei melo - elogio ao ócio



Elogio ao ócio



“No fim dos dias úteis
Vem os dias inúteis
Que não bastam pra lembrar
Ou pra esquecer de quem se é”

Quando ouço essa música, sempre tenho a impressão de Herbert Vianna leu o mesmo livro que eu, Eros e Civilização, de Marcuse.

Num sábado da primeira metade de 1998, devia ser maio ou junho, eu saí de um cursinho de redação (desses pré-vestibulares) e acompanhei uma amiga minha até a rodoviária. Ela foi a primeira pessoa realmente inteligente que eu conheci na minha vida, o que não é pouco para fazer alguém se apaixonar. Nesse dia eu tive uma discussão com ela a respeito da alienação das pessoas. Ela trazia aquela afirmação cruel que pregava sempre que se via sem esperanças de uma revolução: “O povo tem o governo que escolhe”. Eu tinha vinte anos, ela tinha dezessete; eu já havia trabalhado em indústria de calçados desde os dez anos de idade, coisa muito comum em Franca, então; ela sempre estudou em boas escolas e nunca precisou trabalhar, havia quatro meses que ela tinha um emprego de meio período num escritório. Eu disse a ela que ela culpava quem não tinha culpa e disse mais ou menos o que vou escrever agora.

Não se pode esperar que uma pessoa que trabalhou o dia todo (a jornada de trabalho começa com o caminho de ida e termina na volta) que chegue em casa e vá ler Karl Marx; ela vai chegar em casa e assistir à Globo, mesmo; está cansada. É muito fácil um jovem culpar um velho pela passividade, mas quando se tem que manter um emprego porque dele depende duas crianças e uma esposa, a gente vai para o serviço pensando nisso... acorda pensando nisso; levanta por causa disso. E vai levantar sempre, com aquela velha companheira, a certeza de que vai ter que fazer a mesma coisa por anos. Não há tempo para mudar a vida. Somos nós (lembrem que eu tinha vinte anos, vivia a possibilidade de uma revolução) que devemos ter compaixão e lutar pelos direitos deles, mudar a vida deles. Só somos estudantes (e eu era estudante e operário) porque outras pessoas plantam o nosso alimento e fazem a nossa roupa, isso nos dá a oportunidade de estudar. Há que se ter compaixão.

Naquele dia, ela foi embora mais cedo uns quinze minutos, mais por vontade alheia do que própria, eu fiquei. Meus pensamentos ainda iriam acompanhá-la por uns cinco anos.

Menos de dois meses depois eu já estava lendo o livro de Marcuse, lá ele dizia de uma maneira muito mais convincente as coisas que eu disse. Eu desejei intimamente ter lido aquele livro antes da conversa. Tudo que eu dizia a ela ganhava dimensões maiores do que as que realmente tinha, queria ter lido aquilo antes. No livro ele dizia que as pessoas eram controladas até mesmo em seus momentos de ócio, através do cansaço. Ele calcula assim, se bem me lembro: uma pessoa acorda às sete horas para ir ao trabalho, trabalha e chega em casa às sete da noite, foram doze horas de serviço; soma-se mais as oito horas de sono, necessárias para a maioria das pessoas viverem de maneira saudável, ocupou-se então vinte horas, sobrando apenas quatro horas; o trabalhador ainda deve jantar e tomar banho, sobrando três horas. Qual é a qualidade desse tempo restante? A pessoa está cansada, como alguém tão exaurido de suas forças vai poder questionar alguma coisa? Aí entrava o que ele chamava de Indústria do Entretenimento, que pregava a cultura hegemônica. Assim sendo, o homem seria controlado sempre, mesmo em seus momentos de ócio. Queria ter lido sobre isso antes da conversa com L.

sábado, 26 de maio de 2007

tarlei melo - hoje quero fugir da poesia


Hoje quero fugir da poesia




Hoje, está muito frio, então quero fugir da poesia. Vi muito lixo sobre o asfalto quando voltava para casa! Na noite mais fria do ano, meninas de quinze anos mostram suas pernas dentro de mini-saias de pano fino e solto, prontas para o sexo, disfarçando o frio. Algumas sorriam ao esbarrar (de propósito?). Então eu pensei que no mundo não há poesia. Para que poesias em noites frias assim, quando é tão ruim dormir no chão?


Enquanto o ônibus não vinha, vi uma menina desfilando ao lado de seu namorado dentro de uma calça branca, muito fina, muito justa. Imaginava vê-la nua. Passou por mim, indiferente, mas deve ter calculado tudo, antes de sair, na frente do espelho. Seu plano funcionava perfeitamente. Enquanto isso, uma lata de cerveja quase vazia rolava para dentro de um bueiro. Nalgum outro lugar do mundo, certamente uma outra lata rolava para dentro de outro bueiro. Há muito lixo nas ruas.


Em noites frias assim, as pessoas parecem puxar a fumaça do cigarro com mais força. Exibem o brilho de vaga-lumes de suas chamas, ostentam seus cigarros como se quisessem mostrar que em noites frias assim eles têm mais razão que os não fumantes. Hoje, alimentei uma inveja invisível dos fumantes. Se ao menos alguém me oferecesse um gole de gim. Na noite mais fria do ano, não há poesia da qual fugir.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

A pena de morte - Tarlei


A pena de morte

“... O cadafalso é o único edifício que as revoluções não demolem. É raro, de fato,que as revoluções sejam parcimoniosas de sangue humano e, nascidas para podar, para cortar, para degolar a sociedade, a pena de morte é uma das foices de que se desfazem a mais contragosto. (...) E a ordem humana não desaparecerá com o carrasco... A civilização não passa de uma série de transformações sucessivas... A suave lei de Cristo penetrará então no Código, irradiando-se através dele. O crime será visto como uma doença. E essa doença terá os seus médicos que substituirão vossos juizes, seus hospitais que substituirão vossas prisões. A liberdade e a saúde se assemelharão. O bálsamo e o óleo serão derramados onde eram aplicados o ferro e o fogo. O mal que era tratado com cólera será tratado com caridade. Isso será simples e sublime. A cruz substituirá o patíbulo. Eis tudo.”
(Victor Hugo)

“Afirmo ser um adversário resoluto do assassinato, apresente-se ele sob a forma de um crime individual ou de represália exercida pelo Estado”
(Reik)

Quando a pena é a morte

A rigor, a sociedade brasileira sempre foi tolerante às penas de morte, não com a pena de morte que é monopólio do Estado, mas a aquela que é informal, mesmo. “Cento e oito presos (...) são quase todos pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”, não deixa de ser uma coisa interessante essa popularização da violência no andar de baixo e, ao mesmo tempo, a sua negação jurídica. Lembro-me de meu pai na sala, andando para um lado e para o outro, dizendo “tudo bandido, só morreu bandido! O que eles queriam?”. Querer o que? O que é que tinha a ser “querido” ali? A sua linguagem não era a lógica, mas ele não estava louco, palavras não são loucas. O que importava ali não eram as palavras, eram as construções, essas frases já vinham prontas em sua cabeça. Suas frases deixavam suspensas no ar um sentimento; não valiam por comunicar uma idéia, mas um sentimento. Eu era criança, aquele sentimento passou para mim. Pois então, matemos os bandidos... Mas hoje... Quem são os bandidos?

Quem serão as pessoas que mataremos? Em que isso irá diminuir a violência no Brasil? Quando uma pessoa acha que não é possível “democratizar o banco dos réus”, mas aceita que as penas se tornem mais duras, está apoiando o aumento da injustiça no país. Há um sentimento de impunidade que paira no ar. Existe uma injustiça suspensa sobre nossas cabeças, como uma Espada de Dâmocles, uma injustiça que devora os fracos e adula os ricos, e que ameaça cair sempre fazemos alguma coisa errada, mas algumas pessoas são intocáveis. Esses intocáveis roubam, e roubam muito; não roubam para comer, mas para comprar seus “mercedes” ou para aumentar os muros de seus palácios, como nos feudos medievais, para evitar a entrada dos saqueadores e dos bárbaros, que estão nas vizinhanças. Eles chegam aos portões, depois vão embora. Ah, esses bárbaros! Oras, eu sou um desses bárbaros!

A minha mãe morreu dentro de um hospital público, aos 42 anos de idade. Eu lembro do seu cheiro, era o mesmo cheiro do hospital... tintura de iodo. Penso, “Se não morressem tantas pessoas nos hospitais?”. Esses carros de luxo, esses palácios em que moram (o Gabeira mora em um) são as penas de morte de milhares de brasileiros, todos os dias. Quem são os psicopatas agora? O psicopata mata de maneira indiferente, exatamente como os corruptos o fazem. Não roubam para matar a fome, roubam para usar gravatas de R$1.500. Quem são os melhores ladrões?

A maior injustiça que acontece no Brasil não é apenas por causa de quem escolhemos para mandar para as cadeias, mas também devido a quem escolhemos para ficar de fora. A classe média brasileira pleiteia sempre a pena de morte para aquele que fuzila alguém num semáforo, mas nunca penas mais duras para quem sonega impostos, pois isso a incluiria. Ela também tem o seu castelo, apenas quer os bárbaros do lado de fora. Com muros cada vez mais altos e cercas-elétricas em cima deles, não é necessário justiça social.

Normalmente, na medida em que um país se desenvolve, a violência tende a ser entregue à tutela do Estado, único detentor legítimo da violência. Isso é possível encontrar em vários autores, sobre vários temas distintos, mas principalmente os de economia e política: a “violência legítima”. Não é de surpreender que os brasileiros desejem tanto a pena de morte, é um povo violento.

As pessoas gostam de dizer que o brasileiro é um povo pacífico, pois nunca participa de guerras. A ausência nas guerras é nossa marca pacifista, mas matamos tanto! Há mais assassinatos aqui, que mortes em alguns paises em guerra. Que espécie de paz é essa nossa? Não são as favelas, as detentoras da violência informal no país, ela está em todos os lugares: nos bancos, nos hospitais, nos ônibus lotados, quando você tem que enrolar a alça da sua sacolinha de supermercado nas mãos para atravessar uma praça. Ela fica explícita nos carros blindados e nos vidros escuros dos carros. Não somos um povo pacífico. A pena de morte representaria bem a nossa sociedade. Quando aquele estudante entrou no cinema e atirou nas pessoas, numa entrevista uma mulher afirmou: “A gente manda os filhos para o shopping achando que é um lugar seguro, que essas coisas só acontecem na favela...”. Espere aí, enquanto estiver na favela está tudo bem, pode-se matar quem quiser. A pobreza seria então o tópico da violência.

Eu acho outra coisa, acho que a injustiça é o agenciador da violência, qualquer medida que tenha como efeito aumentar essa injustiça, para mim não serve. O que me preocupa é a utilização maciça da pena de morte para reduzir a violência. Não há evidências de que isso funcione. Se houvesse um plebiscito para a adoção da pena de morte no Brasil, passaria, mas sem o meu voto. Não gostaria de saber que meu voto ajudou um inocente a ir parar amarrado numa maca para ser morto por uma injeção letal. Condenar um único inocente já é uma tragédia enorme.

Claro, pode-se sempre alegar que se matou um inocente, mas que a maioria não era inocente. Pode sim, mas essa alegação é legítima? Qual é a finalidade do assassínio de um inocente dentro de um sistema social? Eu respondo, é sacrificial. Mas o sacrifício não tem que ser sempre voluntário? A pena de morte passa a ser uma cerimônia violenta para celebrar a Justiça, não há mal nenhum em imolar algum inocente durante o processo todo, pois é para um bem maior. Inocente ou culpado, no final das contas, tanto faz, essa dama, a Justiça, ficará satisfeita e eliminará a violência das ruas. Supondo que isso seja verdade, que esses sacrifícios realmente apazigúem esses “criminosos”, e, para essa finalidade, quanto mais violento for o regime, melhor, qual passa a ser a nova política de controle à violência? É o Terror. Punições exemplares para mostrar o que vai acontecer sempre que houver aquele tipo de crime.

Imaginem a cena, uma guilhotina no meio do canteiro da praça, um pouco mais alta que o restante da praça; toda vez que há um estupro, uma cabeça é decepada; o carrasco (sim, sempre é necessário alguém para aplicar as leis) pega a cabeça sem corpo pelos cabelos, ergue e diz, “Toda vez que houver um estupro, alguém vai ser decapitado”. Claro, será melhor que seja o estuprador, mas se não for “exatamente” ele, não há nenhuma catástrofe nisso.

Pois bem, esse é o mesmo terrorismo que vemos jogar aviões em prédios nos EUA ou explodir metrôs na Inglaterra, é a Lei de Talião. A sociedade ocidental já não havia chegado à conclusão de que a velha lei do “olho por olho, dente por dente” não era a melhor política? Depois, punições exemplares não são coisas hediondas, que somente servem para criar o respeito pelo medo, nunca pela convicção? Há vingança, nisso, não um sentido de utilidade.

A pena de morte não serve para causar terror nos criminosos, isso é uma ficção. São aplicadas em recintos fechados, não em palanques e tablados, e tem como finalidade não deixar aquela pessoa reincidir. Ela é aplicada a psicopatas e assassinos seriais. Ela não reduz a estatística da violência.

Mas estamos numa democracia, vamos tentar isso, então. Ao invés de basearmos nossa paz em uma justiça social (porque isso seria difícil), vamos criar uma outra paz, aquela baseada no terrorismo, no medo (já que é mais exeqüível). Uma sociedade pacífica baseada no medo (isso não funcionará, tampouco)! Não vai ser uma invenção tão nova, afinal. Vai ser mais um retorno às sociedades mais antigas, como uma França no século XVIII, onde se desmembrava um parricida em praça pública, na frente de uma igrejinha. Deixem que nos chamem de reacionários, lá fora. Que digam que aqui, nada é sério. Vamos assumir a nossa vocação de assassinos por amostragem. Estamos certos, afinal. Estaremos sempre certos.

Podem ir para a frente do Palácio do Planalto gritar bem alto em favor da Pena Capital, não vai fazer diferença, mesmo. Lá dentro eles não ouvem ninguém que esteja cá, fora. Depois, quem vai ser o prato do dia?

terça-feira, 1 de maio de 2007

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Logo para a PP


Aí vai uma idéia para o logo!!!
É uma idéia bem simples e direta, além de não desvincular completamente da idéia anterior!

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O azar é de quem?

A grande bola da vez agora são os jogos clandestinos, sejam bingos, máquina caça-níqueis, ou jogo do bicho. Todos nós sabemos que o Brasil proíbe os chamados jogos de azar. Mas só não dizem de quem é o azar. Seria daqueles que perdem seu dinheiro, ou seria do Estado que vê esse dinheiro correndo em paralelo?
Para aqueles que não sabem, o bingo não é proibido no Brasil, pois não é considerado por si só um jogo de azar, porém aquelas maquinazinhas que ficam por aí a caçar os níqueis das pessoas, essas sim são proibidas. Havia vários bingos que conseguiram medidas liminares para manutenção dessas máquinas caça-níqueis, hoje, como sabemos, obtidas através de propina para os funcionários do Poder Judiciário.
E, diga-se de passagem, os policiais federais, na operação Furacão, junto com o ministro Cézar Peluzo do Supremo Tribunal Federal deram um show de competência e pragmatismo. Estamos democratizando o banco dos réus. Medida eficaz para a consolidação da democracia brasileira.
Quanto aos bingos estes continuam em uma área cinzenta da legalidade, não se sabe ao certo se os fecha, ou se apreende somente as máquinas caça-níqueis. Acredito que enquanto não regularizarmos a questão legal, os bingos não poderão ser fechados.
Já houve tentativas de legalização do jogo através de atuação dos entes federados estaduais. Claro, que os Estados não querem deixar de lado essa boquinha. Porém, o Supremo Tribunal Federal cortou a alegria e foi unânime ao dizer que compete a União a realização de sorteios de prognósticos, conforme preceitua o artigo 22, XX da Constituição Federal.
Seguindo essa linha, Lula já propôs uma medida provisória em 2004 que visava estatizar o jogo, mas foi negada pelo Senado Federal. Porém, o que mais me instiga é que este hábito, tão mau e viciado, quando realizado pelo Estado, expurga-se de todos os seus males e passa a ser cristalino e limpo, como a mais bela cabrita do campo! Portanto, volto novamente à questão acima colocada: será de quem o azar?

Silvia Nascimento

sexta-feira, 20 de abril de 2007

O problema da verdade


O problema da verdade

Conheço uma menina que cresceu inventando suas histórias para enganar a sua mãe. Inventava desculpas francas para coisas pequenas, eram mais “pequenas justificativas” do que mentiras, propriamente ditas.
Sim, eu tenho esse hábito: como bom mentiroso que sou (acho!), invento graduações de mentiras para que umas mentiras sejam maiores que outras. É claro que acho que existam mentiras e “mentiras”. Todo bom mentiroso que não seja patológico, ou seja, que saiba que acabou de contar uma bela cascata, vai concordar comigo. Que porcaria é essa “verdade”, para que seja tão defendida assim?
Sou defensor de uma idéia muito particular que dá conta de que a verdade é muito útil para a mentira, pois funciona como álibi. Eu não acho que a mentira seja uma adulteração da verdade, acho que é a verdade que é um pequeno desvirtuamento da mentira.
Não se pode também colocar todas as mentiras num mesmo bornal e pronto. Isso é até tirar a arte da coisa... Da contação de histórias... Bem , voltemos à menina!
Provavelmente a mentira dessa menina deve ter começado nalguma verdade que passaria a ser utilizada como desculpa, doravante. O fato é que, ela cresceu indo às casas das amigas, um dia ela resolveu ir ao shopping com um menininho duas séries mais velho que ela, na escola (é assim mesmo que as crianças do meu tempo contavam a idade). Por que deveria ela ocupar a sua mãe com essa informação completamente nova e fora de propósito? Ela fez o que qualquer menina saudável de sua idade faria, para evitar aborrecimentos à mãe, continuou com a mesma historinha de sempre, afinal, adultos adoram rotina mesmo. Uma verdade aí, seria uma falha de caráter. Bem, assim feito, protegeu a sua mãe de uma terrível verdade: ela estava ficando mais velha e era heterossexual, iria passar a freqüentar a vida de meninos, então.
Certamente, o fato de ser heterossexual deve ter poupado suas amigas de alguns aborrecimentos, e freqüentar a casa delas continuaria sendo um programa muito seguro. E ela continuaria a freqüentar a casa de suas amigas, mesmo quando não as freqüentasse de fato. O problema da mentira não é outro senão este: não encontrar correspondente no mundo material ou objetivo que corrobore com a história já pré-definida.
Ela foi crescendo e essa história foi se tornando cada vez mais sólida e monocórdia. Essa pequena invenção de infância substituiu a verdade (por assim dizer) com vantagens. Então, quando ela se tornou adulta, ao invés de evocar a liberdade que vem com a idade, como o fazem as adolescentes ativistas e politicamente corretas, com discursos bem aceitáveis, mas com resultados bastante traumáticos aos pais, ela assumiu toda a responsabilidade de seus atos, mantendo a rotina de sua mãe. Assim feito, aquela senhora grisalha podia entregar satisfeita as chaves do seu carro para que essa menina pudesse visitar suas amigas heterossexuais. Ficava até as cinco da manhã na casa das amigas.
Claro que essas histórias sempre deixam alguma ponta solta, que os pais não podem fazer questão de perceber. Com o tempo, essa história passa a ser um acordo tácito entre as duas partes: a mãe passa a reconhecer a falta de verossimilhança da história, mas não comenta nada; a filha passa a perceber que a mãe percebeu a falta de verossimilhança da história, mas continua a contá-la.
Hoje mesmo, ela já com 28 anos, casada, sob o olhar observador de seu marido, ao ser inquirida pela mãe sobre o passado, foi acusada de mentir. Ela se defendeu, sustentando a mesma velha justificativa, evocando, é claro, o benefício da dúvida. A mãe, sem ter coletado provas suficientes das infrações filiais, teve que aceitar que talvez o seu julgamento seja injusto. Já, tarde da noite, em casa, sentamos na cama e eu disse assim a ela:
- Por que não diz a ela que ela está certa? Que mentia mesmo, afinal, já nos casamos mesmo. No final tudo deu certo, não deu? Terminou a faculdade e nem ficou grávida... Tudo deu certo, não deu? Por que não conta a verdade?
- Ela parou, sacudiu a cabeça afirmativamente, com um leve sorriso nos lábios, e completou assim:
- Deixa ela na dúvida.
Tudo deu certo, no final, não deu?
Tarlei Melo

Esta será a cara...


terça-feira, 17 de abril de 2007