A pena de morte
“... O cadafalso é o único edifício que as revoluções não demolem. É raro, de fato,que as revoluções sejam parcimoniosas de sangue humano e, nascidas para podar, para cortar, para degolar a sociedade, a pena de morte é uma das foices de que se desfazem a mais contragosto. (...) E a ordem humana não desaparecerá com o carrasco... A civilização não passa de uma série de transformações sucessivas... A suave lei de Cristo penetrará então no Código, irradiando-se através dele. O crime será visto como uma doença. E essa doença terá os seus médicos que substituirão vossos juizes, seus hospitais que substituirão vossas prisões. A liberdade e a saúde se assemelharão. O bálsamo e o óleo serão derramados onde eram aplicados o ferro e o fogo. O mal que era tratado com cólera será tratado com caridade. Isso será simples e sublime. A cruz substituirá o patíbulo. Eis tudo.”
(Victor Hugo)
“Afirmo ser um adversário resoluto do assassinato, apresente-se ele sob a forma de um crime individual ou de represália exercida pelo Estado”
(Reik)
Quando a pena é a morte
A rigor, a sociedade brasileira sempre foi tolerante às penas de morte, não com a pena de morte que é monopólio do Estado, mas a aquela que é informal, mesmo. “Cento e oito presos (...) são quase todos pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”, não deixa de ser uma coisa interessante essa popularização da violência no andar de baixo e, ao mesmo tempo, a sua negação jurídica. Lembro-me de meu pai na sala, andando para um lado e para o outro, dizendo “tudo bandido, só morreu bandido! O que eles queriam?”. Querer o que? O que é que tinha a ser “querido” ali? A sua linguagem não era a lógica, mas ele não estava louco, palavras não são loucas. O que importava ali não eram as palavras, eram as construções, essas frases já vinham prontas em sua cabeça. Suas frases deixavam suspensas no ar um sentimento; não valiam por comunicar uma idéia, mas um sentimento. Eu era criança, aquele sentimento passou para mim. Pois então, matemos os bandidos... Mas hoje... Quem são os bandidos?
“... O cadafalso é o único edifício que as revoluções não demolem. É raro, de fato,que as revoluções sejam parcimoniosas de sangue humano e, nascidas para podar, para cortar, para degolar a sociedade, a pena de morte é uma das foices de que se desfazem a mais contragosto. (...) E a ordem humana não desaparecerá com o carrasco... A civilização não passa de uma série de transformações sucessivas... A suave lei de Cristo penetrará então no Código, irradiando-se através dele. O crime será visto como uma doença. E essa doença terá os seus médicos que substituirão vossos juizes, seus hospitais que substituirão vossas prisões. A liberdade e a saúde se assemelharão. O bálsamo e o óleo serão derramados onde eram aplicados o ferro e o fogo. O mal que era tratado com cólera será tratado com caridade. Isso será simples e sublime. A cruz substituirá o patíbulo. Eis tudo.”
(Victor Hugo)
“Afirmo ser um adversário resoluto do assassinato, apresente-se ele sob a forma de um crime individual ou de represália exercida pelo Estado”
(Reik)
Quando a pena é a morte
A rigor, a sociedade brasileira sempre foi tolerante às penas de morte, não com a pena de morte que é monopólio do Estado, mas a aquela que é informal, mesmo. “Cento e oito presos (...) são quase todos pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”, não deixa de ser uma coisa interessante essa popularização da violência no andar de baixo e, ao mesmo tempo, a sua negação jurídica. Lembro-me de meu pai na sala, andando para um lado e para o outro, dizendo “tudo bandido, só morreu bandido! O que eles queriam?”. Querer o que? O que é que tinha a ser “querido” ali? A sua linguagem não era a lógica, mas ele não estava louco, palavras não são loucas. O que importava ali não eram as palavras, eram as construções, essas frases já vinham prontas em sua cabeça. Suas frases deixavam suspensas no ar um sentimento; não valiam por comunicar uma idéia, mas um sentimento. Eu era criança, aquele sentimento passou para mim. Pois então, matemos os bandidos... Mas hoje... Quem são os bandidos?
Quem serão as pessoas que mataremos? Em que isso irá diminuir a violência no Brasil? Quando uma pessoa acha que não é possível “democratizar o banco dos réus”, mas aceita que as penas se tornem mais duras, está apoiando o aumento da injustiça no país. Há um sentimento de impunidade que paira no ar. Existe uma injustiça suspensa sobre nossas cabeças, como uma Espada de Dâmocles, uma injustiça que devora os fracos e adula os ricos, e que ameaça cair sempre fazemos alguma coisa errada, mas algumas pessoas são intocáveis. Esses intocáveis roubam, e roubam muito; não roubam para comer, mas para comprar seus “mercedes” ou para aumentar os muros de seus palácios, como nos feudos medievais, para evitar a entrada dos saqueadores e dos bárbaros, que estão nas vizinhanças. Eles chegam aos portões, depois vão embora. Ah, esses bárbaros! Oras, eu sou um desses bárbaros!
A minha mãe morreu dentro de um hospital público, aos 42 anos de idade. Eu lembro do seu cheiro, era o mesmo cheiro do hospital... tintura de iodo. Penso, “Se não morressem tantas pessoas nos hospitais?”. Esses carros de luxo, esses palácios em que moram (o Gabeira mora em um) são as penas de morte de milhares de brasileiros, todos os dias. Quem são os psicopatas agora? O psicopata mata de maneira indiferente, exatamente como os corruptos o fazem. Não roubam para matar a fome, roubam para usar gravatas de R$1.500. Quem são os melhores ladrões?
A maior injustiça que acontece no Brasil não é apenas por causa de quem escolhemos para mandar para as cadeias, mas também devido a quem escolhemos para ficar de fora. A classe média brasileira pleiteia sempre a pena de morte para aquele que fuzila alguém num semáforo, mas nunca penas mais duras para quem sonega impostos, pois isso a incluiria. Ela também tem o seu castelo, apenas quer os bárbaros do lado de fora. Com muros cada vez mais altos e cercas-elétricas em cima deles, não é necessário justiça social.
Normalmente, na medida em que um país se desenvolve, a violência tende a ser entregue à tutela do Estado, único detentor legítimo da violência. Isso é possível encontrar em vários autores, sobre vários temas distintos, mas principalmente os de economia e política: a “violência legítima”. Não é de surpreender que os brasileiros desejem tanto a pena de morte, é um povo violento.
As pessoas gostam de dizer que o brasileiro é um povo pacífico, pois nunca participa de guerras. A ausência nas guerras é nossa marca pacifista, mas matamos tanto! Há mais assassinatos aqui, que mortes em alguns paises em guerra. Que espécie de paz é essa nossa? Não são as favelas, as detentoras da violência informal no país, ela está em todos os lugares: nos bancos, nos hospitais, nos ônibus lotados, quando você tem que enrolar a alça da sua sacolinha de supermercado nas mãos para atravessar uma praça. Ela fica explícita nos carros blindados e nos vidros escuros dos carros. Não somos um povo pacífico. A pena de morte representaria bem a nossa sociedade. Quando aquele estudante entrou no cinema e atirou nas pessoas, numa entrevista uma mulher afirmou: “A gente manda os filhos para o shopping achando que é um lugar seguro, que essas coisas só acontecem na favela...”. Espere aí, enquanto estiver na favela está tudo bem, pode-se matar quem quiser. A pobreza seria então o tópico da violência.
Eu acho outra coisa, acho que a injustiça é o agenciador da violência, qualquer medida que tenha como efeito aumentar essa injustiça, para mim não serve. O que me preocupa é a utilização maciça da pena de morte para reduzir a violência. Não há evidências de que isso funcione. Se houvesse um plebiscito para a adoção da pena de morte no Brasil, passaria, mas sem o meu voto. Não gostaria de saber que meu voto ajudou um inocente a ir parar amarrado numa maca para ser morto por uma injeção letal. Condenar um único inocente já é uma tragédia enorme.
Claro, pode-se sempre alegar que se matou um inocente, mas que a maioria não era inocente. Pode sim, mas essa alegação é legítima? Qual é a finalidade do assassínio de um inocente dentro de um sistema social? Eu respondo, é sacrificial. Mas o sacrifício não tem que ser sempre voluntário? A pena de morte passa a ser uma cerimônia violenta para celebrar a Justiça, não há mal nenhum em imolar algum inocente durante o processo todo, pois é para um bem maior. Inocente ou culpado, no final das contas, tanto faz, essa dama, a Justiça, ficará satisfeita e eliminará a violência das ruas. Supondo que isso seja verdade, que esses sacrifícios realmente apazigúem esses “criminosos”, e, para essa finalidade, quanto mais violento for o regime, melhor, qual passa a ser a nova política de controle à violência? É o Terror. Punições exemplares para mostrar o que vai acontecer sempre que houver aquele tipo de crime.
Imaginem a cena, uma guilhotina no meio do canteiro da praça, um pouco mais alta que o restante da praça; toda vez que há um estupro, uma cabeça é decepada; o carrasco (sim, sempre é necessário alguém para aplicar as leis) pega a cabeça sem corpo pelos cabelos, ergue e diz, “Toda vez que houver um estupro, alguém vai ser decapitado”. Claro, será melhor que seja o estuprador, mas se não for “exatamente” ele, não há nenhuma catástrofe nisso.
Pois bem, esse é o mesmo terrorismo que vemos jogar aviões em prédios nos EUA ou explodir metrôs na Inglaterra, é a Lei de Talião. A sociedade ocidental já não havia chegado à conclusão de que a velha lei do “olho por olho, dente por dente” não era a melhor política? Depois, punições exemplares não são coisas hediondas, que somente servem para criar o respeito pelo medo, nunca pela convicção? Há vingança, nisso, não um sentido de utilidade.
A pena de morte não serve para causar terror nos criminosos, isso é uma ficção. São aplicadas em recintos fechados, não em palanques e tablados, e tem como finalidade não deixar aquela pessoa reincidir. Ela é aplicada a psicopatas e assassinos seriais. Ela não reduz a estatística da violência.
Mas estamos numa democracia, vamos tentar isso, então. Ao invés de basearmos nossa paz em uma justiça social (porque isso seria difícil), vamos criar uma outra paz, aquela baseada no terrorismo, no medo (já que é mais exeqüível). Uma sociedade pacífica baseada no medo (isso não funcionará, tampouco)! Não vai ser uma invenção tão nova, afinal. Vai ser mais um retorno às sociedades mais antigas, como uma França no século XVIII, onde se desmembrava um parricida em praça pública, na frente de uma igrejinha. Deixem que nos chamem de reacionários, lá fora. Que digam que aqui, nada é sério. Vamos assumir a nossa vocação de assassinos por amostragem. Estamos certos, afinal. Estaremos sempre certos.
Podem ir para a frente do Palácio do Planalto gritar bem alto em favor da Pena Capital, não vai fazer diferença, mesmo. Lá dentro eles não ouvem ninguém que esteja cá, fora. Depois, quem vai ser o prato do dia?
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